Este texto é a história duma pessoa que brigou com o tempo, com a dor, consigo mesmo.
É o primeiro dia da história de alguém que reaprendeu a viver, a sorrir, a lidar com as coisas, a gostar de si.
Leiam ele com carinho, levou tempo pra escrevê-lo, pra ter coragem pra tanto. Para todos aqueles que oferecem a alguém perdido um ombro.
Para aqueles que ofereceram.
“Você chorará; a seus lábios virá o nome da amiga que você deixa, e às vezes seu pé se deterá no meio do caminho. Mas quanto menos você tiver vontade de partir, mais você deve pensar em partir. Persista e force seus pés a correr, apesar de não quererem. (…) Não pergunte quantas milhas você percorreu, mas quantas faltam a percorrer”
Ovídio, em A Arte de Amar
Ele andava por uma calçada irregular, a passos lentos. Sentia alguma fraqueza, parecia ter perdido a força vital de que os cientistas de antigamente falavam, e carregava nas órbitas oculares um olhar fosco. Os olhos perderam o brilho não fazia muito tempo, e agora estavam direcionados para o céu, como quem busca uma resposta divina, ou talvez olhassem para cima por acaso. Não importava. Nada mais importava.Sentia frio. Fazia um pouco de sol, é verdade, não era o dia mais quente, naturalmente não haveria razão para tanto. Mas sentia frio. Um frio que vinha de dentro pra fora, um frio que algumas pessoas conhecem muito bem. Olhou para o céu, e viu as nuvens. As nuvens o deixaram com medo, muito medo. Elas faziam parte de um sonho, um sonho desfeito. Como a chuva. Um banho de chuva. E teve pânico quando pensou na chuva. Imaginou-se sob a chuva, caso ela viesse. Ela seria ácida, e viria corroendo sua pele e seus ossos, desgastando seu corpo, que se derreteria, se dissolveria.Lembrava o tempo todo das palavras que ela dissera há cerca de doze horas, de como elas pareciam sem sentido e de como as coisas perderam o sentido após ouvi-las. Aquilo apertava-lhe o coração, sentia uma angústia, uma dor. Só ele e Deus sabiam o que acontecia dentro dele agora. Era uma dor que não cabia em si, que não cabia nele, como algo que se guarda em um recipiente incompatível, insuficiente, apertado, pequeno, mas que mesmo assim era guardado. E era fabuloso como era necessário tanto espaço… apenas pra comportar um grande vazio.
Na dinâmica dos fluidos aplicada à vida, quando algo sai do lugar, alguma coisa tem que preencher aquele espaço que estava preenchido anteriormente. O homem mais feliz do mundo não andaria mais em Pasárgada e agora tinha como nova companheira aquela dor enorme, e sabia que ela o seria por um tempo indeterminado. Precisaria matar aquele tempo. Pensava no que faria nas próximas horas, precisava ocupar-se até a hora de dormir, quando enfim seu corpo repousaria. E quando acordasse no dia seguinte, o que faria? E no próximo? E no próximo? A nossa cultura diz que o tempo tudo resolve, mas ninguém nunca disse quanto tempo. Mas sabia que precisava matar o tempo. Quanto tempo? Quanto tempo, meu Deus?
Continuou sua caminhada, parecia competir com o tempo para ver quem andava mais devagar. Pressa pra quê? Mas uma hora chegou na parada do ônibus. Pegou um ônibus, observava as mulheres no ônibus e nas ruas, tentava sentir alguma coisa, mas até as que racionalmente seriam as mais bonitas agora estavam completamente sem graça. Não serviam. Não serviriam. E a cada olhar forçado, sua mente lhe devolvia um nome. É, elas não serviam. E não adiantaria insistir.
Iria pra casa empurrar algo goela abaixo, iria se encontrar com um amigo logo em seguida. Precisava preencher todo seu tempo, sufocar o desespero. Depois, não saberia o que fazer. Pensaria nisso depois. E assim as horas passariam, esperava. Na verdade, nem sabia o que esperar. A pior sensação que existe surge numa sequência de formação a partir da negação dum elemento anterior, da negação da esperança. Estava consumido pela pior sensação de qualquer universo: a desesperança. Na forma dum olhar fosco.
Era a primeira manhã de muitas outras que viriam. Era a primeira manhã do resto da sua vida. Do resto dos restos da sua vida.
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