Eu tinha acabado de entrar no banheiro do shopping quando soltei um “boa noite” pro zelador na porta, que não respondeu. Não o culpo por fingir não ter me ouvido, depois até me senti meio culpado: não devem existir boas noites pra zeladores que ficam esperando você sair da cabine do banheiro pra depois limpar aquela sujeira. As coisas ficam bem diferentes quando a gente se põe no lugar dos outros… E pra mim também não estava sendo uma boa noite.
Saí do banheiro e passei num Bob’s pra comprar um Ovomaltine. Aquilo ali tá cada dia mais caro. Me lembrei das últimas vezes que tomei o elixir dos deuses, ocasiões muito ruins (prefiro tentar esquecer) ou muito boas (ah, Florianópolis). Eu estava há dias adiando aquela vontade, esperando chegar algum dia especial pra gastar tantos dinheiros. O dia chegou, mas não era nada especial. A gente tenta viver cada dia como se fosse o último, mas às vezes esquece que cada dia já é especial por ser o primeiro do resto das nossas vidas, às vezes por pena do dinheiro ou falta dum outro bom motivo. De qualquer modo, comprei o bendito Ovomaltine. Naquele momento, eu precisava.
Me sentei num banco (perdão pela próclise em começo de frase), olhando o movimento, e o copo levou vai saber quantos minutos pra esvaziar. Vai fazer uns três anos que faço essas sessões de auto-conhecimento em shoppings, olhando vitrines. A cabeça começou a voar e me lembrei quando, de manhã, abri o guarda-chuva dum colega meu dentro da sala do estágio, após ele mostrar o fabuloso botão que abria e fechava o fascinante aparato. Foi então que lembrei da penúltima vez em que eu havia feito isso: foi numa sexta-feira 13 de junho de 2003. Há quem diga que abrir guarda-chuvas em espaços fechados dá azar; nesse dia eu o fiz justamente pra desafiar essa lei, até então uma superstição besta. Duas horas depois – não hoje, mas na sexta-feira 13 – fui roubado no ônibus, e um amigo meu que estava comigo foi assaltado no dia seguinte, encerrando ali minha carreira de Caçador de Mitos. Teria, então, o guarda-chuva do meu amigo, aberto violentamente sob um teto, me proporcionado uma quinta-feira chata?
Sei que eu estava há cerca de uma hora antes cansado e andando por uma calçada com medo de ser assaltado. Se eu tivesse pensado mais um pouco, ia lembrar de que não tenho razão pra temer muita coisa depois do que já passei nessa vida. Meus medos são poucos e outros. Se eu lembrasse deles na hora dos meus assaltos, talvez até chamasse o ladrão, no ato do delito, para beber algo com meu ex-dinheiro e desabafar um pouco da minha vida bandida. Quem sabe ele até desabafasse um pouco da vida bandida dele. Num sentido bem diferente, claro.
Ah, sim, eu falava de medo. Eu pensava neles momentos atrás no ônibus, e da maneira como aprendi a conviver com eles e me tornei mais equilibrado, embora nunca sejamos bons o bastante. Ontem à noite uma amiga minha me lembrou de como eu era meros meses atrás. Quase me senti meio tolo, mas não faz sentido me culpar por algo que deixei de ser, ou pelo menos dói menos pensar assim.
Os dias têm sido bons, seria muita pretensão minha querer recusar um dia chato. Eu não devia nem reclamar, mas a gente acaba se derretendo sobre uma folha de papel, um teclado ou qualquer coisa. Me peguei cantando Fake plastic trees, pensando nas coisas da vida, subindo uma escada de shopping prestes a ir pra casa. E é a última coisa que lembro antes de girar a chave de casa e começar a escrever.
dias assim nos ensinam a chutar baldes…